domingo, 9 de maio de 2010

Escola Tuyuka no alto rio negro: ensino, pesquisa e a proposta de um diálogo entre saberes indígenas e conhecimentos científicos


“Já no final da primeira jornada, o antropólogo conversa com o jovem carona Marcos Resende, habitante de São Pedro, nosso destino final. O jovem tampouco parece índio. Cabelo encaracolado, boné de hip-hop virado para trás, camiseta Racionais MC’s – de quem nunca ouviu uma música, aliás. A aparência engana. Na primeira refeição em São Pedro, na casa de seu padrasto, Adão Barbosa, Marcos fala tuiuca”.

A matéria de Marcelo Leite dá visibilidade a uma iniciativa bem sucedida no campo da educação indígena, fornecendo ao leitor da folha uma visão positiva sobre os povos indígenas e seus parceiros (ambientalistas; antropólogos). O jornalista percorreu algumas comunidades localizadas ao longo do rio Tiquié, na região do alto rio negro, acompanhado pelo antropólogo Aloisio Cabalzar e pelo agrônomo Pieter-Jan Van Der Veld, ambos do Instituto Socioambiental e com longa relação com os povos indígenas da região. Durante a jornada, a equipe da Folha conheceu algumas escolas tuyuka e tukano, conviveu com os índios durante alguns dias e conheceu minimamente a sua realidade. A matéria descreve uma das experiências mais interessantes no campo da educação indígena existentes no Brasil. Com um plano pedagógico baseado no diálogo entre saberes indígenas e conhecimentos científicos e na união entre ensino e pesquisa, as escolas indígenas mencionadas na matéria são um exemplo de um processo mais amplo de revitalização cultural e lingüística que vem ocorrendo na região. Apesar de não serem objetos da matéria de Marcelo Leite, outras iniciativas semelhantes, como a Escola Pamáali (ver link para o blog ao lado), buscam colocar em prática um projeto educacional que valoriza os conhecimentos tradicionais e a sua forma de transmissão, ao mesmo tempo em que busca estabelecer um diálogo com os conhecimentos científicos ocidentais, como a matemática e a biologia. Essas iniciativas se somam a outros projetos de pesquisa que vem sendo executados nas áreas de etnoagronômia e etnoecologia, onde os saberes indígenas são incorporados no processo de construção do conhecimento através da atuação de “pesquisadores indígenas”. Inclusive, algumas dessas experiências serão retomadas aqui com mais atenção em outro momento, tendo em vista que parte do meu trabalho de campo para o doutorado foi realizado nesta região, acompanhando os desdobramentos de duas iniciativas do ISA e da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN): os projetos “Paisagens Baniwa” e “Agrobiodiversidade no Alto Rio Negro”. O mais importante, por agora, é notar que, apesar de não entrar mais a fundo nos avanços, incertezas e dificuldades que perpassam a execução de iniciativas como essa, uma tarefa de difícil execução no meio jornalístico, o autor da matéria dá visibilidade a iniciativa sem cair nos erros de julgamento geralmente cometidos por esse tipo de mídia, uma verdadeira conquista num contexto onde o “jornalismo honesto” tem sido, na verdade, uma verdadeira exceção.

O fato é que o autor da matéria não apela aos estereótipos tradicionais dos povos indígenas – geralmente representados na mídia ora como selvagens crianças incapazes, ora como desertores – para definir o que é ser índio, demonstrando que tradição e modernidade podem estar lado a lado e que muito mais do que a produção de uma identidade indígena substancializada no tempo e no espaço, como monumentos que devem ser preservados ou modificados, estamos diante de um devir indígena e comunitário que se estabelece a partir da transformação e da diferenciação em relação ao “branco” e seus conhecimentos. Nesse sentido, a matéria faz justiça à percepção antropológica do que é ou não ser índio na atualidade, dando visibilidade a uma experiência concreta e positiva.
Uma boa contraposição aos excessos produzidos pela revista Veja poucos dias antes.

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